Gastos públicos com a pandemia: qual o limite?

07-05-20

É amplamente majoritária a ideia de que a reação dos governos à pandemia do coronavírus deve  ser enérgica, não permitindo que a economia mergulhe em depressão e que os mais atingidos e vulneráveis pereçam. Em consequência, os gastos públicos explodiram e as receitas despencaram. Como pagar essa conta? Para uma resposta adequada, analisemos como as despesas públicas são financiadas. Há, basicamente, três maneiras: por meio de tributos, de endividamento e de emissão de moeda.

Comecemos pela última. Se financiar gastos públicos por meio de emissão de moeda fosse simples, os conflitos seriam muito menores, pois, havendo necessidade de gastos, bastaria que o banco central comprasse títulos dos tesouros (federal, mas também estaduais e, por que não, municipais) para que o dinheiro estivesse disponível para melhorar os serviços públicos e a infraestrutura, transferir renda para os mais pobres, enfim, um mundo sem restrições orçamentárias. Tudo isso sem desgastes políticos de cobrar tributos e de ter que decidir onde colocar os escassos recursos. Se é fácil assim, qual a razão de não se fazer?

De fato, há diversas experiências históricas que demonstram que isso já foi tentado e que, exceto em condições muito especiais, os resultados são catastróficos: perda de credibilidade da moeda, com inflação elevada e crescente e consequente estagnação econômica. As pessoas deixam de acreditar no valor do dinheiro e passam a tentar se proteger elevando seus preços, desde trabalhadores exigindo salários mais altos, a empresários reajustando seus produtos e serviços. O Brasil já viveu algumas experiências dramáticas nesse campo, que não deixaram saudades,  mas o atual momento é muito específico, fazendo da emissão uma das possibilidades.

A outra maneira de financiar os gastos públicos é por meio de endividamento. O governo lança títulos ou faz empréstimos contratuais que pagarão as despesas que excederem as receitas com tributos. Isso é feito regularmente no Brasil e no mundo. Em raríssimos anos, o orçamento público brasileiro registrou superávit. O resultado é uma dívida pública que tem crescido substancialmente ao longo do tempo.

Há limites para a dívida pública? No Brasil, não há limites legais para a União, apenas para Estados e Municípios. Mas o limite é dado pelos financiadores, isto é, surge no momento em que os emprestadores não aceitam mais comprar títulos públicos ou fornecer empréstimos de uma forma geral. Na prática, não se sabe qual esse limite. Há países em que a dívida pública excede duas vezes o PIB, como o Japão, e não se cogita de o limite estar próximo. Em outros, a dívida é bem menor, mas há sinais constantes de que será difícil manter o financiamento.

Depende de muita coisa. Em primeiro lugar, da própria composição da dívida, isto é, se são emprestadores estrangeiros, se são nacionais, dos indexadores,  do prazo de vencimento etc. Em segundo lugar, da condição geral da economia, se vai crescer, se há pressões inflacionárias, se o ambiente político é favorável aos negócios, entre outros.

Por fim, os gastos podem ser financiados por novos tributos ou pela elevação de alíquotas de tributos existentes. O art. 148 da Constituição Federal, por exemplo, estabelece que a União poderá instituir empréstimos compulsórios para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública.

Todas essas formas trazem vantagens e desvantagens. Aumentar a carga tributária pode ser um péssimo caminho se a economia já está em desaquecimento. Será uma força a mais para aprofundar a crise econômica, na medida em que reduz a renda disponível das pessoas e das empresas. O aumento do endividamento público, por sua vez, deve ser aplicado até o limite em que o Estado consegue financiamento para as novas despesas. Combinado com a emissão monetária, em que o Banco Central compra diretamente títulos públicos, liberando dinheiro para que a administração pública faça frente às novas obrigações, é o caminho que os governos mundo afora têm adotado até aqui. A PEC do Orçamento de Guerra vai nessa direção, retirando os impedimentos para que o Banco Central financie diretamente o Tesouro.

E depois da pandemia, o que surgirá? Certamente um Estado bem mais endividado. Em todo o mundo, governos têm expandido suas dívidas em pelo menos vinte pontos percentuais do PIB. É o mínimo que acontecerá no Brasil, com a dívida pública se aproximando de 100% do produto. Isso será necessariamente um problema? Não, se o governo conseguir emitir sinais claros de solvência. Além disso, a redução das taxas de juros mundo afora deixará os poupadores sem muitas opções de aplicação, o que beneficiará o governo brasileiro também. Se o resto do mundo está pagando taxas negativas, o Brasil terá naturalmente espaço para reduzir as taxas incidentes sobre a sua dívida pública, reduzindo o seu custo e consequentemente o déficit público. Claro que não há almoço grátis, sacrifícios futuros talvez sejam necessários, mas, em síntese, os limites são  largos para a expansão dos gastos públicos com a pandemia.

Edilberto Carlos Pontes Lima, doutor em Economia. Autor, entre outros, de Curso de Finanças Públicas, uma abordagem contemporânea (Editora Atlas). Vice-presidente de Auditoria do Instituto Rui Barbosa (IRB) e vice-presidente do TCE-CE

Rua Sena Madureira, 1047 - CEP: 60055-080 - Fortaleza/CE - (85) 3488.5900 - Ouvidoria - 0800 079 6666 - ouvidoria@tce.ce.gov.br

Horário de funcionamento: de segunda a sexta-feira, das 8 às 17 horas.

Rua Sena Madureira, 1047 - CEP: 60055-080 - Fortaleza/CE - (85) 3488.5900 - Ouvidoria - 0800 079 6666

Horário de funcionamento: de segunda a sexta-feira, das 8 às 17 horas.